quinta-feira, 26 de janeiro de 2012

Meu coração é do tamanho de um trem.

e do mesmo material.
Frio e inflexível.

segunda-feira, 23 de janeiro de 2012

Exposto

Menos que existi, passei.
Pálida e em branca nuvem.
Vivi, sim, mas sobraram só as marcas do lado de cá.
O que lá meses me levaram, ainda me pergunto se não passaram de doces devaneios de uma mente confusa.

quarta-feira, 18 de janeiro de 2012

Ritual de passagem

Aconteceu tudo muito rápido. Tão rápido, que qualquer tentativa de descrever aqui, vai parecer que não foi tão rápido quanto foi.
O portão abriu. O cachorro fugiu; cheirou o menino que se levantou assustado. Aí começou a confusão: Pega, segura, agarra! "Vou descer pra pegá-lo".
Não ouvi, arredei o carro pra frente pra ajeitar a situação e tudo se desencontrou ainda mais.
"Minha filha, seu irmão!". Foi pé na porta, porta na testa, grito de cá, grito de lá, o sangue escorrendo sem parar. E o cachorro ainda do lado de fora.
"Satanás, pra dentro. Ai meu deus, Rimão, vou lavar seu corte! Calma mãe, vou buscar um copo d'água. Já disse mãe, FICA CALMA!"
Corre de cá, corre de lá. Liga pro parente pra levar pro hospital, não tô em condições de dirigir!
Já no carro, que me dou conta de tudo, parece que a ficha cai. Que confusão, Deus meu, isso sim é confusão. E com os olhos marejados de lágrimas, pelo susto, pela culpa sem dolo, começo a reparar algo de estranho. Minha mãe xingou até minha quinta geração. Até o Satanás pareceu me olhar com algum ressentimento. Mas ele, a vítima, meu caçulinha, não falou nada. Ele não chorou. Ele não me xingou e perguntou se eu estava louca como teria feito com tanto gosto há alguns (meses?) tempos atrás.
Ele não pareceu morrer de medo. Nem raiva. Até a parte da dor parecia estar um pouco ausente daquele rosto. E de repente chegamos no hospital. De repente porque eu perdi grande parte do caminho. Esqueci de olhar pra janela, olhando pros olhos do meu irmãozinho que não choravam.

Já no hospital, não quis saber. Pus a parenta pra ficar com a minha mãe - tava cansada de ouvir desaforo! - e entrei na sala com ele. Meu bem ia tomar ponto; e eu tinha que estar lá com ele. Não só porque fui eu que causei o acidente, fui porque ele precisava de proteção. E eu estava ali pra ele. Como sempre.

Na hora da dor procurei sua mão - que não procurava a minha. Segurei-a e esperei sentir o momento da agulhada no aperto que viria a seguir. E nada. Abri os olhos: com a outra mão ele segurava a maca. E era ela quem recebia todo o reflexo da dor.

E nesse momento fui obrigada a perceber como as coisas haviam mudado. Eu sempre estaria ali pra oferecer minha mão a ele, e vice-versa, eu sei, mas o que ele parecia querer dizer é que era a minha vez de apertá-la.

terça-feira, 10 de janeiro de 2012

Clichê

Nunca fui boa em gravar rostos. Minha memória se restringe a músicas, momentos, números de telefone.
Mas o seu eu nunca esqueci, de nenhum detalhe. Mais do que pelo tanto que você foi especial pra mim, seu rosto sempre me soou tão clichê, tipo ideal de um personagem extremamente duro, mas doce, sábio e cheio de amor-não-explícito pra dar.
Lembro do cabelo - se ainda grisalho somente por alguns fios escuros que resistiram ao descolorimento -, tão bem penteado para trás, claramente por pente bem fino e preciso.
Lembro do rosto, num enrugado que exigia respeito, e bronzeado, dos muitos sóis já vividos.
Lembro da roupa, social, sempre tão impecável, mesmo nos momentos mais doloridos do fim da vida.
Nunca vou esquecer do bigode, tão perfeitamente desenhado, combinando com a barba bem feita. A impressão que eu tinha quando pequena é que de pêlo facial, só lhe nascia o bigode, nunca a barba.
Lembro da sua risada contida, dos ossinhos saltados, frágeis, contrastando com sua aparência firme.
Talvez a única coisa que eu mudaria seria o cigarro no canto da boca. Substituiria, talvez, por um cachimbo, ou um cigarro de palha. Mas não tiraria aquilo que te fez tão mal, no fim das contas.
Acho que o que eu achava mais bonito em você era a composição perfeita de tudo isso que fez de você o meu clichê preferido.