sábado, 7 de setembro de 2013

Porcos decapitados

Em algum lugar desse Brasil maravilhoso e cruel existem vários porcos decapitados.
Só que esses se esqueceram de morrer.
Eles ficam por aí, rondando, sangrando, fétidos, se esfregando em quem passa e esfregando na cara de quem passa que a vida não dá pra ser boa pra todo mundo.
É horrível. É a versão material da metáfora da desgraça. É um mau-agouro de um tempo que já chegou.
E que não perdoa.
Caiu no meu colo a cabeça de um desses tantos porcos. Eu quis fugir, correndo, mas eu só consegui devorá-la e carregá-la debaixo do braço, pra cima e pra baixo.
Alguma coisa dentro de mim parecia querer que todo esse esforço, fosse ajudar esses porcos. Não salvá-los, porque isso parece impossível, mas pelo menos ajudá-los a morrer em paz.
Mas é claro que isso não iria acontecer.
Só que eu continuava a me agarra àquela cabeça, como se ela fosse um salva-vidas.
Carregá-la, surpreendentemente, era menos dolorida do que esquecer que esses porcos existem.
ou sei lá, ter que fingir que eles não existem, para conseguir sobreviver em paz.

Meia-noite em Paris

Entre o pôr-do-Sol e a Torre Eiffel se acendendo, tudo ficou bonito demais.
Aquela hora eles queriam ficar ali para sempre, mesmo que o corpo cansado ficasse gritando ao subconsciente que: "não, pelo amor de Deus, vamos embora!"
Com a noite, veio o frio.
"Vamos embora?", - ela pediu.
Ele confirmou com a cabeça, sem tirar os olhos delas.
Dela e da torre.
Ela percebeu que ele queria ficar mais e não insistiu por alguns minutos.
Até a chuva começar.
E a Torre começar a piscar, toda iluminada.
Estavam ambos extremamente cansados. A fome era implacável, mas naquela noite, teriam que matá-la dormindo.
Poucas coisas eram sem preço, como aquele momento. E o dinheiro estava no fim.
A chuva era fria e constante. Mas, entre todas as intemperes, nem foi tão difícil assim fazer disso um momento romântico.
E eles se abraçaram,
e se beijaram.
E eles se amaram como nunca,
como sempre.

quinta-feira, 5 de setembro de 2013

Ecrã

Não é que nosso amor morreu.
Pra ser sincera, não acho nem que diminuiu.
É só que as nossas rotinas não encontram mais a mesma rota.
É só que, entre tantas novidades, a certeza de ter você sempre ali me fez descuidar do nosso amor, já tão bem construído.
A bem da verdade, acho mesmo que a culpa não é minha nem sua.
É do 'todo mundo', que crê e quer nos fazer crer que pra se amar algo novo, é preciso chamar aquele outro amor de velho e então, é preciso jogá-lo fora.
Ah, que mentira!
Lembro naquela noite que, mesmo embriagada de tantos novos amores, subi as escadas e vi você no andar debaixo, pelo ecrã da câmera de segurança.
Por ela, preta e branca, sem som, sua imagem não tinha cheiro, não tinha boa definição, nem seu rosto eu podia ver.
Mas não havia dúvida.
Mais ninguém era capaz de dançar daquele jeito, a balançar meu coração.
E eu amei a certeza de que era você
E a certeza de que eu amo amar você.