terça-feira, 16 de junho de 2009

Oração do acomodado

Meu Deus,

Venho lhe pedir, lhe clamar, lhe confessar. Devo confessar, meu Pai, que estou me acostumando.
Acostumando com as pessoas e seus respectivos problemas... Logo eu, meu Deus, que tantas vezes me jurei que nunca adaptaria, nunca me acostumaria com o sistema. Mas eu estou crescendo e carregar esse tal de idealismo nas costas está cada vez mais difícil. As pessoas ao meu redor não fazem menção de me ajudar e ainda riem quando lhes mostro minha carga. Me perguntam “pra quê isso tudo?” e eu já não acho mais argumentos: a ignorância me irrita tanto que estou começando a ignorá-la. E o que sobra de mim diante de tal ironia, meu Pai? Me transformo cada vez mais fácil numa ignorante também. E não vejo caminho para evitar: por mais que eu procure fundo nos outros, as pessoas insistem em me mostrar que são apenas pessoas e nada de tentar mudar isso, já é o suficiente. Não há quase ninguém perto de mim que carregue consigo algum idealismo e “Meus heróis morreram de overdose, meus inimigos estão no poder”.
Aonde foram parar os protestos, a cultura consciente, a liberdade de expressão que no passado lutaram tanto pra se ter? se transformaram em música de uma só palavra, filmes toscos de comédia, silêncio coletivo e consumismo exacerbado. A moda agora é ser idiota, meu Pai, e eu não sei se consigo derrotar a moda.
Ouvi dizer que antigamente a religião era o ópio do povo e eu bem sei que ela pode ser exploradora, ilusionista e poderosa, mas ainda sim, falam de Ti, de amor, solidariedade ou qualquer outro valor que seja. O ópio de hoje em dia é o consumismo, Deus. O consumismo cego, cruel, egoísta e insano. Ter vale mais do que ser e com isso, as vidas valem pouco, o coletivo fica de escanteio e tudo vira uma guerra, já que um tem sempre que se sobressair ao outro.
Minha geração sabe ser má, falsa, incompreensível, sua natureza é individualista e eu me pergunto se sempre foi assim... Foi, meu Deus? Se não, será que a humanidade tem alguma salvação no futuro? Eu preciso de uma resposta, Pai, porque estou me acomodando. A cada nova decepção eu fico triste e na dúvida: será um sinal ou uma provação? Eu só vejo obstáculos no meu caminho, e não Lhe peço para retirá-los, ou reduzir o fardo mas, por favor, me dê uma luz, uma salva de palmas, um tapinha nas costas, qualquer coisa que represente uma esperança, pois estou descrente.
Eu só quero me salvar desse mar de gente de palavras vagas, mentes vazias e corações levianos.
Eu só quero valer mais que qualquer coisa que tenha um preço. Só quero convencer mais alguém disso eu quero uma resposta. E quero forças, porque estou me acostumando. Não permita, meu Pai, por favor, não permita!
Amém!


Texto antigo - por mim.

2 comentários:

  1. Eu só quero valer mais que qualquer coisa que tenha preço.

    Só por isso, minha cara, você já vale mais do que qualquer preço. A Humanidade é a mesma desde sempre, só que agora nós temos mais Humanidade por aí.

    Não desanime - ser um humano moral, ético (e portanto bom) não é algo fácil, não é um caminho com exceções às regras, nem permite o comodismo (muito embora incentive o perdão).

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  2. vc não é a única que sente falta de algo com um propósito maior nessa vida. pode ter certeza que entre tantas decepções e irritações, vc vai encontrar mais e mais pessoas que fogem dessa ignorância brutal. acho que existem mais cérebros por aí, capazes de fazer e acontecer nesse país capitalista esquecido pelos próprios brasileiros ;*

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