segunda-feira, 4 de outubro de 2010

Sobre chinelo e sorte

Um dia, voltando de uma prova extremamente difícil, com raiva de si e do mundo, cansada e deprimida, achou um chinelo velho na rua. Inicialmente, passou direto por ele, depois parou, pensou e voltou para observar melhor.
Era um chinelo daqueles branco e azul, muito velho e muito gasto. O que mais lhe chamou a atenção foi o tamanho: 35, seu número. Os chinelos do tamanho do seu pé insistiam em ser coloridos demais, brilhantes e bonitos demais, mas aquele não. Ele era velho e feio e por isso ele era lindo. procurou pelo dono do chinelo incansavelmente e nada. Resolveu levar para si. Chegando ao ponto de ônibus, viu que o seu avia acabado de passar.
Ficou puta, quis chutar o chão e socar a parede. Lembrou do chinelo velho e decidiu calçá-lo, sem nem saber bem porquê.
Assim que o fez, como num passe de mágica seu ônibus, que só passava de quarenta em quarenta minutos, passou novamente. Entrou no ônibus e tinha ligar pra sentar. Ao descer, achou uma nota de dez reais. Foi à padaria e decidiu esbanjar, gastou dois reais só com chocolates. A moça do caixa disse que não tinha troco e que ela podia levar os chocolates como brindes. Chegando em casa, viu que o almoço era bife com batatas fritas e tinha sorvete de sobremesa.
Conferiu o gabarito da prova na internet e viu que, ao contrário do que esperava, não fora mal, tinha tirado o primeiro total da sua vida.
Decidiu que não ia tirar o chinelo nunca mais.
Ia com ele para escola, para a academia, pra aula de violão e de francês. Todo mundo a reprovava e achava que ela estava louca. Sua mãe conversou com a psicóloga da escola umas cinco vezes e nenhum conselho havia sido bom o suficiente pra convencê-la a tirar o bendito chinelo.
Chegou o dia da festa de casamento de uma prima próxima. Foi ao salão, arrumou o cabelo, fez uma maquiagem divina. Comprou um vestido lindo, que combinava perfeitamente com o chinelo.
Foi a gota d'água. Sua mãe chorou, se perguntando aonde havia errado. O pai brigou, xingou e a chamou de rebelde. O irmão disse que ela era ridícula querendo se passar por algo que não era.
"Querendo se passar por alguém que gosta de algo que trás muita sorte?" argumentou "sou assim, com certeza."
Quase desenhou gráficos na parede pra argumentar que o chinelo trazia sorte SIM e que ela não ia ao casamento se não fosse com ele.
Depois de uns trinta minutos de briga, choro e discussão, alguém da família ligou preocupadíssimo perguntando se eles estavam atrasados porque estavam envolvidos naquele acidente horroroso que havia acontecido no caminho que pegariam pra chegar à Igreja. Depois da situação devidamente explicada, perceberam que, se não fosse pela discussão, provavelmente seriam vítimas do tal acidente fatal. Todos se interiorizaram em pensamentos mil e não falaram mais nada sobre o calçado da menina.
De repente, todos acreditavam que era um chinelo da sorte.
Menos ela. Não é uma questão de sorte, mas ela sabia que sua família jamais entenderia.
O chinelo quebrava paradigmas. Todos os possíveis, e ela os quebrava com ele.
Era uma sensação de liberdade e poder que ninguém nunca iria compreender ou sentir.
É... Se bem que pensando melhor, é uma questão de sorte sim.

[vai ver o do Hélio vai?]

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